Texto vencedor por AnaLu:
Era Janeiro e estava sol.
Quis ir despedir-me de ti porque já só me faltava
alguns dias.
Quem guiou foi ele e eu ia assinalando caminho,
sorrindo às esquinas e às casas, num sossego plácido. Tentando reconhecer
qualquer coisa tua (nossa) naquele trajecto, nas ervas daninhas de beira-de-estrada, com casas semeadas amiúde e estrada de província.
Eu queria estar comigo para melhor poder dizer adeus.
E podia.
Eu explico. Passados dois anos do amor mais infinito
que me foi dado conhecer, apareceu ele. De início não foi óbvio, mas tornou-se
de tal modo intenso que não houve como ignorar. E eu entreguei-me-lhe sem
hesitação ou medo. Com ele tudo resultou em harmonia. E essa leveza permitia-me estar bem cá no fundo – e também junto dele - à superfície. É tão bom quando
tens alguém que te mantém à superfície e te salva assim dos teus próprios
abismos.
Acho que era cerca das quatro da tarde. Havia brisa e
restolho no ar e nós caminhámos devagar, de mãos dadas, ao lá chegar,
ziguezagueando entre vasos e arbustos. Não estava mais ninguém, só nós e
flores, imensas e de diferentes géneros, barricadas em grandes jarros
transparentes e água fresca. Para além disso, centenas de lápides,
anunciando eterna saudade. De resto apenas quietude.
Vislumbrei de longe essa árvore que serve de local de
encontro e te dá sombra. E de repente sinto-me tremer. Porque, finalmente,
curvada diante da campa e mãos na pedra, como que afagando-te, estava ela. Mãe
e órfã. Porque perder quem nasceu de nós é orfandade. Desatei num murmúrio aflito, de quem sabe não ter escapatória. E ele disse, vai tranquila. Eu
espero aqui. Eu fui então.
Ela estava de costas e eu tive que falar para que me
visse. Levantou-se com olhos arredondados de surpresa. Abraçou-me como se me
tivesse esperado todo aquele tempo, e chorou sem se reprimir.
Dois anos depois
do domingo em que me vesti de negro-que-nem-corvo (elegante-como-garça), ficámos assim, testemunhadas só pela árvore, porque ele estava focado na
biqueira dos próprios sapatos, sentado num jazigo, mais além.
Falámos de tudo, por fim, saltando de novidade em
novidade, dos dois anos em que eu não havia sido capaz de visitá-la. E ela,
mãe-orfã, disse que tu estavas muito contente por eu estar ali. E disse, obrigada
por teres vindo. Muito
obrigada por teres vindo.
Dois dias depois vim para
Amesterdão.