IV COE - III Desafio

Texto vencedor por AnaLu:

Era Janeiro e estava sol.
Quis ir despedir-me de ti porque já só me faltava alguns dias.
Quem guiou foi ele e eu ia assinalando caminho, sorrindo às esquinas e às casas, num sossego plácido. Tentando reconhecer qualquer coisa tua (nossa) naquele trajecto, nas ervas daninhas de beira-de-estrada, com casas semeadas amiúde e estrada de província.
Eu queria estar comigo para melhor poder dizer adeus. E podia.
Eu explico. Passados dois anos do amor mais infinito que me foi dado conhecer, apareceu ele. De início não foi óbvio, mas tornou-se de tal modo intenso que não houve como ignorar. E eu entreguei-me-lhe sem hesitação ou medo. Com ele tudo resultou em harmonia. E essa leveza permitia-me estar bem cá no fundo – e também junto dele - à superfície. É tão bom quando tens alguém que te mantém à superfície e te salva assim dos teus próprios abismos.
Acho que era cerca das quatro da tarde. Havia brisa e restolho no ar e nós caminhámos devagar, de mãos dadas, ao lá chegar, ziguezagueando entre vasos e arbustos. Não estava mais ninguém, só nós e flores, imensas e de diferentes géneros, barricadas em grandes jarros transparentes e água fresca. Para além disso, centenas de lápides, anunciando eterna saudade. De resto apenas quietude.
Vislumbrei de longe essa árvore que serve de local de encontro e te dá sombra. E de repente sinto-me tremer. Porque, finalmente, curvada diante da campa e mãos na pedra, como que afagando-te, estava ela. Mãe e órfã. Porque perder quem nasceu de nós é orfandade. Desatei num murmúrio aflito, de quem sabe não ter escapatória. E ele disse, vai tranquilaEu espero aqui. Eu fui então.
Ela estava de costas e eu tive que falar para que me visse. Levantou-se com olhos arredondados de surpresa. Abraçou-me como se me tivesse esperado todo aquele tempo, e chorou sem se reprimir.
Dois anos depois do domingo em que me vesti de negro-que-nem-corvo (elegante-como-garça), ficámos assim, testemunhadas só pela árvore, porque ele estava focado na biqueira dos próprios sapatos, sentado num jazigo, mais além.
Falámos de tudo, por fim, saltando de novidade em novidade, dos dois anos em que eu não havia sido capaz de visitá-la. E ela, mãe-orfã, disse que tu estavas muito contente por eu estar ali. E disse, obrigada por teres vindo. Muito obrigada por teres vindo.
Dois dias depois vim para Amesterdão.