I COE - II Desafio

Texto vencedor por Lénia Rufino (Marianne)

Heartbreak Hotel – olho de relance para o neon que identifica o hotel e penso que não podia ser mais adequado. Nunca tinha reparado nele e passo dezenas de vezes nesta rua velha. Entro e peço um quarto qualquer, as mãos tremem-me do excesso de tabaco, as olheiras marcam-me o rosto onde lágrimas desceram, abruptas. Na receção, um indiano de meia idade, longe de ter um ar saudável, olha-me se soslaio mas sem interesse. Atrás de si, uma grelha repleta de gavetas alberga as chaves dos quartos desocupados. Pega numa sem atenção e manda-me subir as escadas ao fundo, à esquerda. Subo. À medida que os degraus ficam para trás adensa-se um cheiro indefinido, uma mistura de suor com bolor, que mal me deixa respirar. As lágrimas regressam-me aos olhos e eu não as impeço de descer. Abro a porta com a chave velha e atiro-me sem cuidado para cima da cama. Fico horas a olhar o teto despido, manchas de humidade e vestígios de tinta. Lá fora, uma chuva incerta cai com força nas janelas e molha o parapeito por dentro. Não sei que horas são. Sei que precisava desta concha fechada, deste tempo de silêncio e refúgio. Sei que te perdi. Agarrei-te com a vida que me pedia um futuro e traí-te sem vergonha. Seduziu-me a força de uma vida que não era mim nem nunca poderia ser. Seduziram-me olhos demoníacos que me engoliram a cada olhar. Seduziram-me aquelas mãos frias, de dedos ágeis e esguios, que tocaram todos os poros da minha pele. Perdi-te no minuto em que abri a porta e deixei que ele entrasse, sorrateiro, para virar do avesso o meu mundo demasiado certo, demasiado previsível, demasiado cinzento. Perdi-me no momento em que me julguei capaz de ignorar fronteiras e desalinhar planetas, na promessa daquelas horas de calor absurdo. Eu nunca fui de ninguém. E as lágrimas que agora expulso não são por ti nem por nós. São por mim, pelo tempo que demorei a descobrir-me, pelo tempo que demorei a perceber que aquelas mãos geladas, aquele olhar profundo, aquela voz sublime não são capazes de preencher nada que me falte ser. Perdi-me de mim e sei que neste quarto bafiento, neste hotel ignorado, não vou encontrar senão fantasmas.

Texto vencedor por Sandra Freitas


Penélope. Chamava-se Penélope.
Era jovem, bonita e sonhadora. Mas não era feliz. Ansiava por sair da sua aldeia e viver todas as peripécias que lia nos romances que comprava na única tabacaria que existia naquele lugar pacato, rural e escondido das confusões do restante mundo.
Aos domingos à tarde, Penélope gostava de ir até à estação de comboios, sozinha e envergando o seu vestido domingueiro, a sua mala de pele castanha, os seus sapatos de tacão alto e o seu leque de senhorinha. Ficava por ali, horas infinitas, a sonhar, a imaginar que ia viajar ou que retornava de uma viagem. Inventava mil histórias para si e, muitas vezes, para as poucas pessoas que via passar. E sonhava com o amor…
Já ninguém dava importância a Penélope, sentada no seu usual banco, perdida nos seus pensamentos. Era de boas famílias, bonita, tranquila, simpática e educada. E se era assim que se sentia feliz, então porque não deixá-la envolta no seu mundo?
Dizem que, numa dessas tardes de domingo, um desconhecido parou depois de reparar nela. E que se apaixonou perdidamente pelo rosto calmo e sorridente de quem espera algo. Falou-lhe. Tornaram-se amigos, depois namorados. E, dali para a frente, aos domingos à tarde, Penélope aguardava finalmente alguém que era real, enquanto abanava o seu leque com uma expressão de felicidade no olhar.
Um dia, ele não veio. E domingo seguinte também não. E no seguinte também não. Penélope definhou  mas não desistiu daquele amor. Acreditava que ele voltaria para ela. E os seus olhos brilhavam sempre que um comboio parava na estação, aos domingos à tarde.
Os anos passaram…
Diz o povo que, numa tarde de primavera, o desconhecido amado regressou à aldeia. E encontrou-a sentada no mesmo banco de madeira verde, com a roupa de domingo, a mesma mala de pele castanha, os mesmos sapatos altos e o mesmo leque que ainda abanava graciosamente. Chamou-a mas ela não olhou, parecendo não o reconhecer. Sentou-se então ao lado dela e abraçou-a com os olhos lacrimejantes. Cheirou-lhe o cabelo agora esbranquiçado e observou-lhe o rosto enrugado e pequeno. Foi então que ela abriu um sorriso vagaroso mas feliz. Deixou cair o leque e pegando-lhe no rosto também marcado pelo tempo, murmurou:
- Meu amor! Estava à tua espera.